segunda-feira, 15 de julho de 2013

Terapia genética usa vírus do HIV para curar doenças raras

Duas doenças genéticas foram curadas a partir de um tratamento que utiliza versões alteradas do HIV para corrigir o DNA dos pacientes

O HIV é capaz de alterar o DNA das células humanas para se reproduzir.
Os pesquisadores utilizaram essa habilidade para curar doenças (Thinkstock)

O HIV é responsável pela morte de 1,7 milhão de pessoas por ano em todo o mundo. O vírus é especialmente perigoso pois se reproduz ao atacar células do sistema imunológico humano, alterando seu DNA e as obrigando a fabricar cópias de si mesmas — o que deixa o corpo vulnerável a uma série de doenças. Pesquisadores italianos anunciaram, na quinta-feira, o desenvolvimento de uma nova técnica, que utiliza essa habilidade do HIV para, na verdade, curar pacientes. Em duas pesquisas publicadas na revista Science, eles afirmam que utilizaram versões alteradas do vírus para corrigir o genoma de seis crianças e livrá-las de doenças que, até então, não teriam tratamento.As crianças carregavam duas doenças genéticas — herdadas dos pais e carregadas no DNA por toda a vida — conhecidas como Síndrome de Wiskott-Aldrich e Leucodistrofia Metacromática. Enquanto na primeira o corpo é incapaz de produzir uma proteína necessária para o correto funcionamento do sistema imunológico, a segunda afeta o desenvolvimento do sistema nervoso — e ambas podem levar à morte. Como o defeito está nos genes, essas doenças eram consideradas, até pouco tempo, incuráveis.
Nas últimas décadas, no entanto, os pesquisadores têm desenvolvido um método capaz de corrigir diretamente genes defeituosos: a terapia genética. Para isso, retiram células-tronco da medula óssea dos pacientes. Em um laboratório, os cientistas utilizam um vírus para entrar na célula e alterar seu DNA, inserindo o gene desejado. Os pacientes, então, recebem de volta as células-tronco, e passam a produzir a proteína necessária. Como o vírus é alterado geneticamente, ele não é capaz de atacar o organismo.As terapias genéticas costumam funcionar muito bem em testes com animais e em laboratório, mas apresentam problemas quando são transferidas para a clínica. Algumas vezes, o gene terapêutico é produzido em quantidades muito pequenas ou por um período muito curto, abreviando o tratamento. Outras vezes, a terapia acaba por levar ao desenvolvimento de câncer. Para tentar contornar esses problemas, os pesquisadores italianos estudaram a utilização de um tipo especial de vírus: os lentivirus, que agem lentamente e são capazes de deixar, de modo permanente, seu DNA na célula hospedeira. O HIV é, justamente, um dos lentivirus mais conhecidos e estudados.
Os cientistas começaram os tratamentos com o vírus do HIV alterado em 2010. Os resultados publicados nesta quinta-feira levam em conta apenas os primeiros seis pacientes — três de cada doença — que receberam a terapia. “Três anos depois do começo das pesquisas clínicas, os resultados obtidos nos primeiros pacientes são muito encorajadores: a terapia não é apenas segura, mas também efetiva e capaz de mudar a história clínica dessas doenças sérias”, diz Luigi Naldini, pesquisador do Instituto San Raffaele Telethon para Terapia Genética (TIGET, na sigla em inglês), na Itália, envolvido nos dois estudos.
Sistema imunológico — As crianças com a Síndrome de Wiskott-Aldrich herdam uma mutação genética no gene que codifica a proteína WASP — essencial para o funcionamento correto do sistema imunológico. Assim, elas se tornam mais vulneráveis ao desenvolvimento de infecções, doenças autoimunes e câncer, além de ter um defeito nas plaquetas que causa sangramento frequente.
A terapia mais utilizada para tratar essa condição costuma ser o transplante de medula óssea de um doador compatível. Em alguns casos — quando as células doadas são muito compatíveis — a cura é atingida. No entanto, quem não conseguia encontrar um doador tinha de carregar a condição por toda a vida.
Na nova técnica, os pesquisadores retiraram as células-tronco da medula óssea dos próprios pacientes — o que elimina a possibilidade de rejeição. No laboratório, eles usam o vetor criado a partir do HIV para inserir o gene WASP normal em seu interior. Quando são reinseridas no corpo, as novas células são capazes de produzir a proteína correta, restaurando o sistema imunológico do paciente.
Segundo os cientistas, entre 20 e 30 meses após o início do tratamento, os sintomas da doença sumiram ou diminuíram consideravelmente. “Nesses pacientes, as células-tronco corrigidas substituíram as células doentes, criando um sistema imune funcional, com plaquetas normais. Graças à terapia genética, essas crianças não convivem mais com sangramentos severos e infecções. Agora elas podem correr, brincar e ir à escola”, diz Alessandro Aiuti, pesquisador do TIGET responsável pelo estudo.
Agindo no cérebro – Já a Leucodistrofia Metacromática é causada por mutações no gene ARSA, importante para o sistema nervoso. Os bebês com essa doença são aparentemente saudáveis no nascimento, mas em algum ponto de seu desenvolvimento eles começam a perder gradualmente as habilidades cognitivas e motoras, sem nenhum tratamento capaz de frear o processo neurodegenerativo — que acabará por matar a criança.
A partir de uma técnica parecida, os pesquisadores italianos inseriram genes ARSA funcionais nas células-tronco desses pacientes e as devolveram ao corpo. Ali, elas começaram a produzir as enzimas funcionais e a se reproduzir, atingindo o cérebro das crianças, o local mais afetado pela doença.
Dois anos após o início dos tratamentos, os pesquisadores afirmam que a terapia genética foi capaz de frear a progressão da doença. “Nesse caso, o mecanismo terapêutico foi mais sofisticado: as células-tronco corrigidas atingiram o cérebro por meio do sangue e liberaram a proteína correta, que é acumulada pelas células nervosas sobreviventes. Nós tivemos que criar células capazes de produzir uma quantidade de proteínas muito maior que o normal, para neutralizar o processo neurodegenerativo em andamento”, diz Alessandra Biffi, pesquisadora do TIGET.



FONTE: VEJA

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