Duas doenças genéticas foram curadas a partir de um tratamento que utiliza versões alteradas do HIV para corrigir o DNA dos pacientes
O HIV é capaz de alterar o DNA das células humanas para se reproduzir. Os pesquisadores utilizaram essa habilidade para curar doenças (Thinkstock) |
Nas últimas décadas, no entanto, os pesquisadores têm desenvolvido um método capaz de corrigir diretamente genes defeituosos: a terapia genética. Para isso, retiram células-tronco da medula óssea dos pacientes. Em um laboratório, os cientistas utilizam um vírus para entrar na célula e alterar seu DNA, inserindo o gene desejado. Os pacientes, então, recebem de volta as células-tronco, e passam a produzir a proteína necessária. Como o vírus é alterado geneticamente, ele não é capaz de atacar o organismo.As terapias genéticas costumam funcionar muito bem em testes com animais e em laboratório, mas apresentam problemas quando são transferidas para a clínica. Algumas vezes, o gene terapêutico é produzido em quantidades muito pequenas ou por um período muito curto, abreviando o tratamento. Outras vezes, a terapia acaba por levar ao desenvolvimento de câncer. Para tentar contornar esses problemas, os pesquisadores italianos estudaram a utilização de um tipo especial de vírus: os lentivirus, que agem lentamente e são capazes de deixar, de modo permanente, seu DNA na célula hospedeira. O HIV é, justamente, um dos lentivirus mais conhecidos e estudados.
Os cientistas começaram os tratamentos com o vírus do HIV alterado em 2010. Os resultados publicados nesta quinta-feira levam em conta apenas os primeiros seis pacientes — três de cada doença — que receberam a terapia. “Três anos depois do começo das pesquisas clínicas, os resultados obtidos nos primeiros pacientes são muito encorajadores: a terapia não é apenas segura, mas também efetiva e capaz de mudar a história clínica dessas doenças sérias”, diz Luigi Naldini, pesquisador do Instituto San Raffaele Telethon para Terapia Genética (TIGET, na sigla em inglês), na Itália, envolvido nos dois estudos.
Sistema imunológico — As crianças com a Síndrome de Wiskott-Aldrich herdam uma mutação genética no gene que codifica a proteína WASP — essencial para o funcionamento correto do sistema imunológico. Assim, elas se tornam mais vulneráveis ao desenvolvimento de infecções, doenças autoimunes e câncer, além de ter um defeito nas plaquetas que causa sangramento frequente.
A terapia mais utilizada para tratar essa condição costuma ser o transplante de medula óssea de um doador compatível. Em alguns casos — quando as células doadas são muito compatíveis — a cura é atingida. No entanto, quem não conseguia encontrar um doador tinha de carregar a condição por toda a vida.
Na nova técnica, os pesquisadores retiraram as células-tronco da medula óssea dos próprios pacientes — o que elimina a possibilidade de rejeição. No laboratório, eles usam o vetor criado a partir do HIV para inserir o gene WASP normal em seu interior. Quando são reinseridas no corpo, as novas células são capazes de produzir a proteína correta, restaurando o sistema imunológico do paciente.
Segundo os cientistas, entre 20 e 30 meses após o início do tratamento, os sintomas da doença sumiram ou diminuíram consideravelmente. “Nesses pacientes, as células-tronco corrigidas substituíram as células doentes, criando um sistema imune funcional, com plaquetas normais. Graças à terapia genética, essas crianças não convivem mais com sangramentos severos e infecções. Agora elas podem correr, brincar e ir à escola”, diz Alessandro Aiuti, pesquisador do TIGET responsável pelo estudo.
Agindo no cérebro – Já a Leucodistrofia Metacromática é causada por mutações no gene ARSA, importante para o sistema nervoso. Os bebês com essa doença são aparentemente saudáveis no nascimento, mas em algum ponto de seu desenvolvimento eles começam a perder gradualmente as habilidades cognitivas e motoras, sem nenhum tratamento capaz de frear o processo neurodegenerativo — que acabará por matar a criança.
A partir de uma técnica parecida, os pesquisadores italianos inseriram genes ARSA funcionais nas células-tronco desses pacientes e as devolveram ao corpo. Ali, elas começaram a produzir as enzimas funcionais e a se reproduzir, atingindo o cérebro das crianças, o local mais afetado pela doença.
Dois anos após o início dos tratamentos, os pesquisadores afirmam que a terapia genética foi capaz de frear a progressão da doença. “Nesse caso, o mecanismo terapêutico foi mais sofisticado: as células-tronco corrigidas atingiram o cérebro por meio do sangue e liberaram a proteína correta, que é acumulada pelas células nervosas sobreviventes. Nós tivemos que criar células capazes de produzir uma quantidade de proteínas muito maior que o normal, para neutralizar o processo neurodegenerativo em andamento”, diz Alessandra Biffi, pesquisadora do TIGET.
FONTE: VEJA
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